Corumbaenses andam no rio Paraguai até o farol histórico antes coberto pela água
25 SET 2024 • POR Gabriela Couto, CG News • 10h40A situação do rio Paraguai em Corumbá é alarmante. A cena das pessoas se refrescando na prainha do Porto Geral, que antes mal chamava a atenção, agora tem causado preocupação aos corumbaenses. A surpresa com o baixo nível d’água fez com que Elanir Miguéis, de 45 anos, registrasse moradores andando pelo leito do rio até o histórico farol de Corumbá, que antes ficava submerso.
“Fiz essa foto no último domingo (22). Passo pelo Porto Geral todos os dias e fico triste de ver tão seco assim. Nunca tinha visto chegar nessa situação. Parece evaporar de um dia para o outro”, lamenta.
As imagens foram compartilhadas pelo tio, o militar da reserva, Gilmar Gonçalves de Souza, de 65 anos. Ele mora em Corumbá há 42 anos e passa pelo local cerca de três vezes na semana. “Nunca vi assim. É a primeira seca grande que vejo. Muito triste a situação, em todo sentido. O Pantanal que eu conheci em 1979, quando cheguei aqui, mudou nos últimos dez anos. Alguém tem que fazer alguma coisa. O próprio homem está destruindo a natureza, o próprio homem está desmatando e assoreando os rios”, lamenta.
Ele, que navegou muito pelo curso d’água, relembra que o farol de cerca de quatro metros de altura era visto pela metade da embarcação. “Hoje, por exemplo, não sei se consegue passar navegação. O farol ficava com uns 2 metros da ponta para fora d’água. Hoje está mostrando a sapata do farol”, acrescentou.
"Sou militar e naveguei muito nesse rio. Alguns tipos de embarcação navegam, mas barcos da marinha que vieram para cá precisam de três metros de profundidade para navegar. Nosso rio está dando uns 60 cm, no canal está dando um metro. Cheguei a entrar na água e ir até bem próximo do Farol. Nunca pensei que um dia ia conseguir fazer isso”.
Ele acrescenta que além da seca provocada pela estiagem nos últimos anos, a fumaça toma conta da cidade e o calor está além do normal. “Só tá fumaça. Ruim para respirar e o calor tá mais de 40º C”.
Vai piorar
Em Ladário, estação de referência com 124 anos de dados históricos, a cota atual é de -45 cm, apenas 20 cm acima da mínima histórica, que é de -61 cm, registrada em 1964.
O valor da cota abaixo de zero não significa a ausência de água no leito do rio. Esses níveis são definidos com base em medições históricas e considerações locais, sendo que, mesmo quando o rio registra valores negativos, em alguns casos ainda há uma profundidade significativa. No caso de Ladário, por exemplo, abaixo da cota zero, o Rio Paraguai ainda possui cerca de 5 metros de profundidade, conforme dados da Marinha.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, esta é a segunda maior estiagem do bioma. Os dados que registram a série histórica que integra 80% da Bacia do Alto Paraguai já registraram estiagem pior na década de 1960, que durou cerca de 10 anos seguidos.
“Estamos com cinco anos agora. Essa estiagem já era prevista pela Organização Mundial de Meteorologia em 2019. Não sabemos quando vai terminar. Embora seja semelhante, o quadro é diferente por conta do uso da terra e das mudanças climáticas”, acrescenta.
Ele afirma que ainda não há como prever o grau de impacto desta estiagem na bacia. “Estamos sentindo, principalmente, a temperatura e falta de chuva, típico para estiagem, mas a temperatura está acima. Com a falta de chuva e as temperaturas muito altas, o sistema perde cada vez mais água”, destacou e acrescentou que o diagnóstico é muito difícil.
Apesar de o Pantanal ter um regime de chuva bem demarcado, com avanços e atrasos, as chuvas são esperadas entre outubro e março. Mas neste ano as chuvas estarão abaixo da média e chegarão de forma atrasada.
O Rio Paraguai ainda está em fase de vazante, que pode se prolongar até outubro e novembro. Ou seja, o aumento no nível da água vai demorar mais. Temos a chance real de chegar nessa marca histórica. A situação como um todo está bem crítica, precisaria de um volume de chuva bem grande para resolver. Também é preciso ressaltar que não importa quando chove, mas como chove. Essa chuva precisa ser bem distribuída”.
Carlos acrescenta que o termo ‘estiagem’ é usado para o período de alguns anos onde há baixa precipitação e, por consequência, o nível do rio fica muito baixo. “Não sabemos quanto tempo ela vai durar. A última durou 11 anos. Há um grau de incerteza grande nessas previsões, por ocorrer uma somatória de situações simultâneas. O que temos de certo é o aumento da temperatura e isso impacta em eventos extremos”, ressaltou.
Para a bióloga da Embrapa/MPF, especialista em ecologia de rios do Pantanal e de conservação e gestão de bacias hidrográficas, Débora Calheiros, a estiagem da década 1960 e a atual é vista como um fenômeno natural.
“Mas agora temos mais desmatamentos, assoreamentos, impactos antrópicos em toda a bacia. Pode estar ocorrendo um fenômeno natural acrescido da influência das mudanças climáticas. Isso faz com que as previsões sejam ainda mais difíceis. Tudo dependerá das chuvas, que devem começar até a segunda quinzena de outubro", reforçou.
O biólogo do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Sérgio Barreto, mostrou preocupação com o futuro. “A situação é bem crítica e a tendência é abaixar ainda mais. Isso é preocupante. As pessoas já chegam andando até o farol. Embarcação não passa mais entre o farol e a prainha do Porto Geral”.
Receba as notícias no seu Whatsapp. Clique aqui para seguir o Canal do Capital do Pantanal.