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Juizado Itinerante alcança 87% de acordos no Baixo Taquari

29 junho 2024 - 10h29Capital do Pantanal

Resiliência é a palavra que resume o sentimento da população ribeirinha do Baixo Taquari, na região de Corumbá/MS, atendida durante o Juizado Especial Federal Itinerante, de 17 a 21 de junho. A ação foi realizada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul (JFMS), com instituições parceiras.  

Nos cinco dias de atendimentos, foram homologados 129 acordos em 148 processos sobre concessão de benefícios assistenciais e previdenciários. Também foram realizadas 147 audiências e 44 perícias médicas judiciais; efetuados 177 atendimentos pela Defensoria Pública da União (DPU)/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e 104 pela Defensoria Pública do Estado (DPE). Durante o evento, houve a liberação de valor superior a R$ 600 mil em Requisições de Pequeno Valor (RPVs). 

A capacidade de as comunidades do Baixo Taquari se adaptarem a situações difíceis, diante de adversidades climáticas e de transporte, foram percebidas pela equipe de mais de 40 pessoas composta por magistrados, servidores da JFMS, procurador da República, procuradores federais, defensores públicos da União e estaduais, funcionários municipais e estudantes de Direito que prestaram os serviços no projeto.  

Em sua atuação, a equipe considerou o modo de vida da população, compreendendo seus sentimentos, desejos, ideais, crenças e valores.  

Após 12 horas de estradas, sendo seis de percurso em areia e terra, o comboio de 11 caminhonetes chegou ao local do alojamento coletivo, no dia 17 de junho, na Casa Dona Regina (Noca), Colônia São Domingos. Durante os cinco dias, a equipe partia em percursos de até três horas para instalar a infraestrutura para os atendimentos aos ribeirinhos. Isso incluía mesas, cadeiras, computadores, geradores de energia, equipamento de internet por satélite, galões de água mineral e alimentação.  

A diretora do Foro da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul e coordenadora da ação, juíza federal Monique Marchiolli Leite, ressaltou que foi necessária uma complexa logística, por se tratar de uma região de difícil acesso. A visita técnica para a preparação do projeto foi realizada há mais de dois meses e já previa cautela. 

“O objetivo é servir a população com gentileza e empatia. Em único dia, a pessoa atendida pôde resolver sua situação, o que levaria de um a dois anos numa vara comum”, afirmou.

O coordenador das audiências, juiz federal Fernando Nardon Nielsen, destacou o fato de o projeto cumprir o objetivo de levar Justiça a comunidades remotas. Segundo o magistrado, devido à questão climática, com a secura do leito do rio Taquari, o perfil dos moradores mudou de ribeirinha para rural.  

“Antes as concessões de seguro defeso predominavam nessa região e hoje são a menor parte. Agora, há muitos benefícios previdenciários relacionados ao uso da terra, como salário-maternidade, aposentadoria por idade, por invalidez e auxílio-doença”, ressaltou. 

Logística e estrutura 

A dificuldade de acesso foi sentida pela própria equipe de trabalho que precisou se utilizar de veículos grandes para a locomoção e enfrentou desafios que os ribeirinhos convivem, como o longo percurso até a cidade, atolamento e problemas mecânicos nos carros, com dificuldade de encontrar serviço para conserto.  
 
O coordenador da logística e segurança, agente de Polícia Judicial Valdecir Pereira da Silva, salientou o planejamento.  

“A visita técnica realizada em abril avaliou as condições de acesso. Foram necessárias onze viaturas para percorrer 300 km de asfalto e 200 de areia e terra no meio de fazendas para transportar as pessoas com segurança.”      

O guia de transporte Evaldo Arruda Pinheiro foi contratado para orientar o deslocamento da equipe nos atendimentos. Ele contou que costuma ser acionado para orientação em ações semelhantes.      

“Sou um microempresário nascido em Taquari. Transporto pessoas ou mercadorias até a zona urbana de Corumbá para fazer compras, ir ao médico, ao banco. A região é isolada e de difícil acesso, é necessário abrir porteiras para chegar a cada destino”.       

Para realizar o JEF Itinerante, a Justiça Federal precisou contratar serviços de internet por satélite para garantir a efetividade nos trabalhos. O diretor de Tecnologia da Informação da JFMS, Gabriel Vargas, explicou que os quatro locais diferentes de atendimento requereram montagem e desmontagem diária dos equipamentos. 

“Montamos uma estrutura completa de vara federal. Precisamos transportar muitos equipamentos, cabos e três geradores de energia para não sobrecarregar as instalações da comunidade. Tivemos que deixar tudo armazenado nas camionetes. É como se fosse um evento novo a cada dia”.  

Equipe do mutirão atendeu no alojamento da dona Noca. Foto: Ascom/TRF3  

Alojamento e escola 

A professora aposentada Ana Regina Martins Paes, conhecida como Dona Noca, e o marido Feliciano Domingos Martins criam carneiro, porco e pequeno gado bovino. Eles moram na comunidade desde criança e costumam hospedar participantes de mutirões de cidadania.   

O local escolhido para o alojamento da equipe foi a casa do casal. O sítio dispõe de quartos para hospedagem, mas eles levantaram mais um coletivo para 25 pessoas. Foram instalações que abrigaram os mais de 40 integrantes da ação. 

“Tenho três filhas e seis netos e todos estudamos na escola rural. Trabalhei por 31 anos como professora. Gosto de viver na vila, mas enfrentamos muitas dificuldades para ir à cidade. Gosto de receber pessoas e crianças na minha casa e fico feliz em ver a comunidade conseguindo seus direitos no mutirão”, afirmou. 

Dona Noca cedeu espaço do sítio para a escola rural Santa Aurélia que atende alunos de ensino infantil e fundamental. As instalações são modestas e não há equipamentos de informática, apesar de haver internet para uso de celulares dos profissionais e moradores da região. 

Markuss Zarate, um dos professores, explicou que os estudantes são crianças a partir dos 4 anos de idade. Ele está há dois anos trabalhando na zona rural. O docente relatou que o transporte escolar é um problema nas comunidades, com viagens que duram até quatro horas. Os alunos são transportados em veículos adaptados.  

Zarate falou que os professores chegam a morar por 60 dias na escola rural e depois retornam para a cidade de Corumbá, onde permanecem por 15 dias com os familiares. 

“Somos quatro professores. Damos aulas de língua portuguesa e inglesa, direitos humanos e geografia. Não há educação de adultos. Depois de completar o ensino fundamental, os filhos dos pequenos fazendeiros param de estudar e vão trabalhar na roça ou em serviços domésticos”, disse.  

Julgamentos  

A juíza federal Letícia Bossonario atuou em audiências no JEF itinerante. Alguns casos foram julgados sob a perspectiva de gênero. Um deles foi o da cozinheira Jovita da Cruz Castelo que conseguiu o direito à aposentaria por idade. O esposo Leandro Xavier Castelo já havia sido aposentado judicialmente como trabalhador rural.   

Dona Jovita ficou emocionada com o atendimento. Foto: Glenda Oliveira/JFMS

“A Jovita parou de trabalhar um pouco antes do marido. Eles têm uma terra e a esposa produz queijos. Apesar de haver entendimento contrário, o Conselho Nacional de Justiça considera, sob o protocolo de perspectiva de gênero, que a atividade é rural. A aposentadoria foi concedida no mesmo dia do requerimento”, explicou. 

As audiências tiveram a participação da Procuradoria Federal/Advocacia-Geral da União/MS, da DPU e de estudantes de Direito da UFMS. Em atendimentos sobre processos de direito da família, houve a atuação do DPE/MS e da equipe do Programa Social Povo das Águas (Prefeitura de Corumbá), responsável pela triagem das pessoas atendidas. Alguns ribeirinhos chegavam a cavalo aos locais de atendimento.  

Joanice da Silva e Luiz Otávio têm sete filhos e solicitaram à DPE a conversão da união estável em casamento no mutirão. Ela também obteve na Justiça Federal a concessão de salários-maternidade para os dois filhos. 

“Achei bom, porque nós não tínhamos nenhum benefício. Vivemos de bico. Quando a gente planta, vende algumas frutas, abóbora. Agradeço vocês pelo atendimento”, disse emocionada. 

Ornélia Pessoa e Alírio William das Neves tiveram um filho que morreu aos 17 anos. Ele era trabalhador rural e ajudava na composição da renda familiar. O falecimento ocorreu há 20 anos e no mutirão os pais descobriram que tinham direito a requerer pensão por morte.   

“Estou muito alegre em ser atendida. Não sabia que eu podia ter isso na minha vida, fiquei muito feliz de ter conseguido”, celebrou Ornélia.   

O coordenador do projeto Prática Jurídica em Seguridade Social da UFMS, professor Aurélio Tomaz da Silva Briltes, e os estudantes da universidade prestaram apoio ao casal. Ele enfatizou que o benefício previdenciário se incorpora ao patrimônio deles e é um direito pleno para garantir a dignidade e a sobrevivência.  

O juiz federal Moisés Anderson Costa Rodrigues da Silva afirmou que atuar no Juizado itinerante é uma experiência que se leva para a vida. Ele pontuou que apesar das adversidades enfrentadas, os moradores conseguem ostentar um sorriso.  

“Foram dias maravilhosos, são pessoas muito gratas.  Lembro do senhor que pensou que nunca poderia se aposentar.  E ele se emocionou. E nesse mesmo dia, uma senhora ficou muito agradecida por ter recebido o salário-maternidade e levou todo mundo às lágrimas. Ela comentou que poderia finalmente consertar o telhado do barraco dela”.  

O procurador da República Onésio Soares Amaral, do Ministério Público Federal (MPF), elaborou petições para a comunidade cobrando autoridades públicas por pedidos de melhorias nas escolas rurais, atendimento à saúde e até mesmo à Justiça Eleitoral para a instalação de urnas para evitar que os cidadãos precisem percorrer longas distâncias até a área urbana de Corumbá.  

“Houve também o pedido de uma senhora para que fosse instalada a escola para jovens e adultos, o EJA. Nós vamos encaminhar essa demanda para o procurador em Corumbá acionar a prefeitura”, acrescentou. 

O mutirão também ofereceu serviços de registro tardio de nascimento e conversão de união estável em casamento. A triagem foi das assistentes sociais do “Povo das Águas” e os pedidos ajuizados pela DPE/MS, que encaminhou as petições para a Justiça Estadual. 

Mutirão também realizou casamentos. Foto: Ascom/TRF3 

Um dos casos mais comoventes foi de Flávia da Silva que alegava não ter realizado o registro em cartório à época de seu nascimento. Segundo a defensora pública estadual Renata Gomes Bernardes Leal, a moradora somente soube informar o local de nascimento (Corumbá), o nome dos pais, e que na adolescência passou a residir na região do Taquari.  

No relato, a mulher não soube precisar a idade, mas acreditava ter 70 anos. Testemunhas, que a conheciam, confirmaram o seu depoimento à DPE. Além disso, ela afirmou não saber ler e escrever e, pela falta de documentos, não conseguia obter nenhum benefício. 

Dona Flávia da Silva teve o registro tardio reconhecido no JEF itinerante Foto: Ascom/TRF3  

Com a ação ajuizada, a Justiça estadual em Corumbá determinou a lavratura do nascimento de Flávia da Silva, nascida em 1º de janeiro de 1954.  

O projeto 

O JEF Itinerante visa promover o acesso à Justiça Federal para populações carentes, privadas do atendimento formal, residentes longe dos centros urbanos e em locais de difícil acesso territorial, como ribeirinha, assentamentos e aldeias indígenas. O trabalho foi selecionado na primeira fase do Prêmio Innovare Edição 2024, categoria Tribunal.  

O Juizado Especial Federal Itinerante nas comunidades do Baixo Taquari atendeu as populações de Rio Negro, Cedrinho, Corixão, Cedro, Limão Verde, Colônia do Bracinho e Colônia São Domingo.  Informações do Ascom TRF3.  

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