Mato Grosso do Sul teve o privilégio de inaugurar a primeira Casa da Mulher Brasileira. O ano era 2015 no dia 3 de fevereiro. Informações da época (10 anos atrás) eram de que foram investidos 18,2 milhões de reais, e somente na construção da casa foi gasto o valor de 7,84 milhões, com contratação de cerca de 160 funcionários para atendimento do público específico: a mulher vítima de violência. Toda uma rede de proteção, investimentos da União, Estado e Municípios trariam uma solução à grande demanda social e política. Ou seja, o combate à violência doméstica contra a mulher.
A lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) dispõe de vários mecanismos de proteção às mulheres e obrigações diversas aos entes públicos, com atendimento especializado e várias formas de prevenção e punição ao agressor. O crime de lesão corporal no contexto da violência doméstica foi transformado em qualificadora no Código Penal, aumentando a pena posteriormente, e criou-se o tipo autônomo de feminicídio, que agora, com a última alteração legislativa em 2024, a pena passou para reclusão de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos. Desde que foi criada no ano de 2006, a Lei Maria da Penha já foi alterada várias vezes e praticamente todo ano tem uma mudança.
Palco de discurso eleitoreiro, a violência doméstica contra a mulher é assunto constante na mídia, nas redes sociais, nas plataformas eleitoreiras e planos de secretarias, prefeituras, ONGs, etc. O político ou pretenso político em raciocínio simplório e pragmático, logo levante a bandeira para a questão da violência doméstica. O discurso é emotivo, fala com aparente coerência, e usa a linguagem retórica convivente.
O tempo passa, políticos são eleitos e reeleitos usando esta bandeira, e a violência só aumenta, com índices assustadores, onde o Mato Grosso do Sul lidera nos crimes de feminicídio e estupros. Exatamente o nosso MS que inaugurou a primeira Casa da Mulher Brasileira. Ou seja, há algo estranho nesta dimensão que enseja estudos mais aprofundados e, inclusive, estudos que deveriam ir além da repressão, já que a situação atual é desastrosa.
Neste compasso, o incauto pretenso candidato logo surge nas redes sociais propondo novas medidas acerca do tema, copiadas ou não, o mancebo político ou mesmo o já experiente na vida pública, resolve trazer temas recorrentes e obrigações aos entes públicos, como a criação de CASA ROSA, BOTÃO DO PÂNICO, CASA DA MULHER 24 h, REDE DE PROTEÇÃO, REDE DE ATENÇÃO, SALA LILÁS, AUXÍLIO PECUNIÁRIO, VALE TRANSPORTE, ABRIGO ROSA, PATRULHA ROSA, dentre outras várias formas de evidenciar e projetar politicamente e angariar eleitores e simpatizantes a causa.
Sem estudo científico, sem dados, projeções ou pesquisas pertinentes, o político ‘espertão’ tenta emplacar uma ideia com objetivos eleitoreiros. Não são calculados os custos, as realidades sociais, os efeitos colaterais da proposta. Enfim, para o politiqueiro é fácil jogar o problema para outros órgãos da administração pública, aprovar leis “folha de papel”, com lacuna ontológica, sem eficácia social. Agora surgiu a ideia do Poder Judiciário para que as polícias façam a intimação da Medida Protetiva. Atribuição que é do Oficial de Justiça e que certamente terá consequências fáticas, face à evidente falta de efetivo policial para tal medida. Outra ideia surgida neste embate é que a Medida Protetiva seja feita via aplicativo WhatsApp, o que, além de duvidosa aplicabilidade, pode aumentar os riscos para a vítima e injustiças diante da instabilidade de tal providência. As obrigações da Medida Protetiva como se ausentar o lar, afastamento da vítima e família, proibição de contato, etc., geram grande conflito familiar, como a questão da visitação aos filhos, aluguel da residência, bens a serem partilhados, etc., que tornam a propalada Medida num estopim emocional no conflito familiar, repleto de emoções mais perigosas. A Polícia não vai ficar 24 horas fazendo segurança para a vítima. Então, todo cuidado é pouco nas primeiras horas e dias após o registro da ocorrência e concessão da Medida Protetiva.
Sabe-se que na Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande funciona uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), dentre outros órgãos com a Defensoria, Judiciário e Promotorias. A gestão é da Prefeitura e há convênios diversos para a propalada REDE DE ATENDIMENTO na Capital. Porém, os últimos episódios na DEAM da Capital, revelaram atendimento repleto de falhas, equívocos diversos que demostraram como a questão é complexa e exige responsabilidade verdadeira, que vai além de construção de prédios, lotação de servidores de cargos políticos, criação de Salas Lilás, marketing público e engodos acerca de um tema tão relevante na sociedade: A violência doméstica contra a mulher.
A Casa da Mulher Brasileira poderia ser realmente um grande baluarte do enfrentamento a todos os casos de violência doméstica contra a mulher. Ocorre que o tempo demonstrou que há gargalos a serem preenchidos e ainda não compreendidos e resolvidos neste tema. O que ocorreu na DEAM de Campo Grande pode nos revelar certas hipóteses sobre a questão: A Medida Protetiva contra o agressor é mera folha de papel que não assegura e protege a vítima; o atendimento na DEAM por mulheres não significa o melhor atendimento; a investigação policial é demorada por várias razões, como falta de efetivo e estrutura inadequada do Estado, e o processo judicial é lento e burocrático; o uso políticos dos crimes de violência doméstica acarreta politicas públicas ineficazes e sem coerência lógica com a grande parcela das vítimas vulneráveis; os custos financeiros da Casa da Mulher são enormes e nomeações de interesse político em cargos temporários prejudicam o atendimento duradouro e transparente; o tema transpassa as fronteiras policiais e deve-se analisar de forma científica com outros saberes e compreensão social da magnitude do tema.
Tentando surfar na onda, novatos na política vêm com propostas copiadas como criação de CASA ROSA nas Prefeituras, ou algo do gênero, o que revela algo além de preocupação com a questão, sendo mero oportunismo político que tem se tornado comum entre vereadores, que aprovam leis que invadem a competência legislativa da União e servem apenas para criar confusão e embaraça ao chefe do Executivo acerca de tão importante tema, que deveria ser tratado com responsabilidade e ética.
Mais prédios suntuosos, inaugurações e publicidade institucional de cunho eleitoreiro, mais leis simbólicas, não irão resolver o problema. Não precisamos de mais uma CASA DA ILUSÃO BRASILEIRA.
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