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É Fogo!

12 agosto 2020 - 14h14

O inesquecível e ilustre pantaneiro Cassio Leite de Barros dizia: "o Pantanal é fotogênico, mas, muitas vezes, inóspito".

Nestes tempos em que vivemos eu arriscaria dizer que o Pantanal é fotogênico nas grandes secas, nas grandes cheias e, vejam os senhores, nos grandes incêndios. E inóspito em todas as situações.

Quem assiste a National Geografic se extasia com as cenas dos grandes vulcões do chamado cinturão de fogo. Grandes fotógrafos e cinegrafistas arriscam suas vidas pelas imagens daqueles gigantescos lançadores de magma, que, como uma sopa infernal, submerge nos oceanos criando espetáculos dantescos.

Ultimamente, o Pantanal também se tornou uma referência para o pessoal seguidor do francês Joseph Nicéphore Niépce, quem deu inicio a essa maravilhosa e prestigiada arte de apreender imagens. Hoje a tecnologia opera milagres e todos nós nos tornamos fotógrafos, alguns até com bastante talento. Fotografamos o cotidiano das nossas vidas privadas e do nosso trabalho. A bem da verdade, fotografamos à beça, inclusive fogo no Pantanal! Claro que os japoneses são campeões mundiais, tanto em tecnologia quanto na ânsia de clicar.

Mas, feito esse preâmbulo, vamos ao que realmente interessa. "O Pantanal arde em chamas", dizem as manchetes enriquecidas pelas fotos das queimadas tiradas por algum satélite e que certamente ampliadas haverão de reproduzir maravilhosas telas da arte abstrata com cores de fazer inveja aos mestres do pincel. Percebem-se pontos de calor que, ouço dizer, seriam os focos de incêndio. Nada que seja tão afastado dos rios pantaneiros, em regiões ermas, onde não se pratica a pecuária. Há casos em que o fogo terá nascido dentro de propriedades, mas salvo raras exceções, de origem desconhecida. Sabe-se de fogo em fazenda na beira do rio que certamente é criminoso, pois qual pecuarista iria por em risco toda a estrutura de sua bem montada propriedade?

Nos anos 60 e parte dos anos 70 ocorreu uma grande seca em todo o Pantanal. Acontece que a tecnologia dos poços tubulares era ainda um pouco incipiente. Pioneiros como o japonês Hirayama, na região da Nhecolândia, e Exupério, no Paiaguás, foram importantes na abertura de açudes com máquinas adequadas. Antes, fazíamos com pás e muita musculatura; depois, a empresa T.Janner, Paulo Lobo , Sigismundo Freire, também na Necolândia, e Lucio Margote, Olimpio e Cavallon, no Paiaguás, levaram a tecnologia dos poços tubulares.

No auge da seca o engenheiro carioca e pantaneiro por opção Carlos Larica, cuja experiência com poços foi adquirida fazendo rebaixamento de lençol para construtoras, no Rio de Janeiro, migrou para estas plagas e, na minha opinião, tornou-se o salvador da lavoura por aqui. Até então foi necessário que os fazendeiros levassem seu gado para os campos que margeiam os nossos rios. O resultado foi que milhões de reses pastejaram nas proximidades desses cursos d'água e o capim acabou. Acabaram comendo as cascas das árvores. Sem capim não há incêndio. Os focos, então, se concentraram nas regiões altas de onde foi extraído o gado.

A população de bovinos diminuiu nos anos de enchentes ininterruptas, de meados dos anos 70 até os dias de hoje. Como consequência, sobrou capim no baixo Pantanal.

Ao contrário dos anos 60, hoje temos grandes reservas ambientais e a população ribeirinha aumentou dramaticamente. Novos meios de sobrevivência foram surgindo: comércio de iscas, comércio do mel, comércio da cata de ovos de jacaré, pesca em águas interiores, extração de madeira para construção de chalanas, turismo rústico, tráfico, o velho e terrível abigeato, etc,etc. Tudo isso em meio a muito capim e muita onça-pintada. Queriam o quê? Essas pessoas foram incentivadas a se fixar nessas áreas, muitas delas de propriedade da União. São os agora denominados "Povos das Águas".

Muita gente, mais capim de sobra, mais turfa, mais necessidade de sobrevivência é igual a fogo. Quem sabe o governo mandará roçar as margens dos rios ou lançar um herbicida que mata o capim. Tem no mercado. Ou retirar essa população.

Claro que não fará nenhum absurdo desses e, se persistir a estiagem, enquanto houver "facho" para queimar, teremos fogo. O que nos resta é rezar para que chova. E não qualquer chuvinha, tem que ser, como dizia o velho pantaneiro Nicola Boabaid, "chuva de deixar marrequinha de água meia costela!"

Manoel Martins de Almeida é produtor rural no Pantanal de Corumbá

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